A narrativa do Guilherme surpreende pela sua densidade. Como observador do mundo ele é extremamente perspicaz e como escritor, muito generoso compartilhando essa visão tão aguçada e profunda da vida.
Neste livro ele ainda nos surpreende trazendo à narrativa a sua vivência como músico, sons, percepções, memórias afetivas. E assim como num jogo de realidade aumentada, o texto se amplia, se desdobra à nossa percepção.

Numa primeira leitura, fui seguindo as palavras e imaginando a música contida ali, o que me deu uma sensação de cumplicidade com o autor: Ahá! Eu sei do que você está falando! Mas não se trata de um livro pra ler uma vez só.

Me propus a uma segunda leitura, onde fui parando sem pressa e buscando cada citação musical. Decidi momentaneamente suspender a leitura e ouvir a canção, ou simplesmente deixar a música tocando e seguir lendo.Tudo se tornou ainda mais profundo e mais bonito: a música, o conto e a vida.

Porém, terminei alguns contos sem entender o que ele estava querendo dizer. Foi quando percebi que não havia identificado nenhuma música ali dentro: esta era a questão, me faltavam referências musicais. Tive de investigar com mais atenção, desconfiar de palavras ou expressões... após uma rápida busca, lá estava a música citada, para mim desconhecida, enchendo de sentido aquele conto enigmático.

Caro leitor, o que vem a seguir é um mergulho profundo no Oceano das Palavras. Cada palavra uma gota, mil gotas refletindo partes da vida... E quando distraído, você estiver para sempre submerso entre as ricas gotas deste mar, subitamente será resgatado pelo desfecho da estória de volta à superfície, lá onde a realidade ainda é formada por começo, meio e fim.

Como um caleidoscópio de surpresas, entre as vagas deste Oceano surge a música, inserida de muitas e diferentes maneiras:

Às vezes como frasco reunindo as gotas e definindo a forma.

Às vezes apenas como sentimento, aquele que habita a música.

E de repente, percebo que estou bebendo da mesma fonte de onde saiu uma melodia, reconheço alguns versos e descubro ainda muitos outros que também fazem parte, mas não foram cantados. Deixo-me ficar imersa nessas gotas de poesia, na profundidade, lá onde nascem as canções.

Segue a leitura, uma gota, duas gotas, muitas gotas e já estou vendo um músico por inteiro, por dentro e por fora, quase ouvindo a música que ele produz...

De repente me dou conta, são apenas palavras, mas ali está a “Música Toda”.

Zélia Brandão
Instrumentista, compositora, produtora e escritora.

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